Era uma vez...
Então, vamos ao desabafo, não é mesmo?
Eu sou jovem de 22 anos que nasceu e cresceu num lar evangélico. Sempre ouvindo que isso era errado, que aquilo era errado e dentre esses muitos "issos" e "aquilos" estava o relacionamento com alguém do mesmo sexo. Eu acho que a minha história é um belo de um clichê: uma pessoa que nasceu num "lar cristão" envolto por "pessoas de bem", pessoas essas que dizem amar o seu próximo, mas só realmente amam se o próximo for igual a eles. Não pretendo mais falar sobre, pois esse desabafo é para falar sobre mim.
Acho que muitos já devem ter percebido que pertenço à comunidade LGBTQIA+, e sim, eu pertenço e com muito orgulho. Sim eu tenho orgulho de ser quem sou, de finalmente ter aceitado quem eu sou. Por causa a minha criação, foi de extrema dificuldade em me aceitar.
Quando eu percebi que sentia atração por homens? No meu Ensino Médio, eu disse que seria um belo de um clichê. Era meu penúltimo ano (2014) e então chega na minha escola um aluno novo. Um belo garoto ruivo, muito sorridente, ainda me lembro da primeira vez em que eu o vi. Ele era assumidamente gay e o meu primeiro pensamento foi: "Isso é errado, não posso ser amigo desse menino. Quero o máximo de distância dele". Sim, esse era o meu plano, seriam apenas dois anos, super possível ignorar a existência de uma pessoa. Mas então, o inesperado: mapeamento de sala. Sim, minha turma tinha mapeamento de sala, não um, mas cinco. Segundo a professora, sentar perto de pessoas diferentes em cada dia da semana evitaria que criássemos mais laços, mas ela não pensou que sendo 200 dias letivos, seriam quase 30 dias em cada um dos lugares, tempo hábil para se criar laços.
Mapeamento feito, verificamos nossos lugares e onde eu me sento? Sim, perto do cabelo de fogo que eu queria distância, não em apenas um dia, mas dois dias durante a semana. Com isso, aconteceu o que eu não queria: ficamos amigos. Nada além da escola, mas amigos. Todos os dias em que ele sentava atrás de mim, ficava mexendo nas minhas costas e eu sei que ele adorava aquilo. Eu mandava parar, mas rindo, ou seja, dava mais abertura pra que tudo continuasse. E foi ao som de Fui fiel do Gusttavo Lima que eu geralmente escutava a voz dele pela primeira vez. Isso só aumentava tudo. Foi um ano difícil e mais pro final desse ano eu percebi que o que eu sentia não era só amizade.
Amigo secreto na sala e quem eu tirei? Não, não foi ele, mas tirei o garoto que eu mais detestava, ia trocar com o primeiro que quisesse, e foi justamente quem tinha tirado ele que eu encontrei. Fiz a maior cesta da sala, gastei mais do que o valor estipulado, mas não me arrependo nem por um segundo de ter feito tudo isso. Ele merecia. Não era apenas por estar gostando dele, ele era realmente incrível, era não, ainda é.
O ano vira e então meu último ano na escola, ano de formatura. E é nesse ano que realmente começa tudo. Eu, nas minhas férias já ficava me questionando sobre tudo o que tava acontecendo comigo, sempre julgando como errado, era difícil de entender tudo aquilo. As aulas voltam e novamente estamos na mesma sala e sentados novamente perto. Eu sentia algo cada vez mais forte e então comecei a escrever num agenda que eu tinha como se estivesse conversando com ele, desabafando sobre tudo que estava acontecendo. Essa agenda só ficava comigo, todas as noites debaixo do meu travesseiro e ia comigo junto para a escola.
Porém, um dia acordei atrasado e acabei esquecendo-a debaixo do meu travesseiro. Quando percebi, já era tarde e não conseguia prestar atenção em um único minuto de aula. Cheguei em casa, somente minha mãe como sempre. Agiu naturalmente eu fui para o meu quarto. Estava lá, do jeito que eu havia deixado, debaixo do meu travesseiro. UFA! pensei, mas foi um pouco mais tarde, assistindo TV que eu soube que aquela agenda também era do conhecimento de minha mãe. Começou dizendo que tinha lido e logo me disse que preferia ter um filho morto do que um filho gay. Frase que mesmo depois de 5 anos ainda me machuca, não tanto quando na época, mas ainda machuca.
Agora sim, começa o desabafo. Foi com lágrimas nos olhos e sem encará-la que terminamos a conversa. Aleguei ser antigo que era uma fase que tinha passado, mas ela continuou em cima e descobriu que não era. Com isso, me levou até um casal de pastores que poderiam ajudar a me "curar". Esse era o tipo de "trabalho" que esse casal fazia. Fui uma, duas vezes e então, não consegui mais conciliar horário. Hoje eu agradeço por isso ter acontecido. Talvez, teria sido mais difícil de eu me aceitar quem eu sou. Falei com minha mãe que tudo tinha se resolvido.
Acredito que estejam curiosos com o desfecho da história com o ruivo incrível. Então, fim do ano contei tudo pra ele por mensagem e depois de ler/ouvir ele me respondeu super carinhoso, falando que gostava muito de mim como amigo, que não passaria disso. Que não me queria magoado, mas ele não poderia fingir. Eu super entendi e essa foi a minha primeira história de amor não correspondida.
Voltando ao ponto principal do desabafo.
2016. Ano da faculdade, só que não, ano do cursinho. E foi em 2017 que finalmente consegui minha tão sonhada vaga numa federal. Fiz amizades incríveis que quero levar pra vida toda, outras nem tanto. E foi nesse mesmo ano que um amigo da minha cidade me apresentou para alguns amigos seus. E tenho que agradecer muito a eles, foram de extrema importância para me aceitar. Obrigado V, L e A.
Foi somente depois de um ano na universidade que consegui me aceitar. E agora? Como falar para os amigos? Será que eles vão mudar comigo? Várias e várias perguntas do tipo e até que parei e pensei: "Se são meus amigos, vão ma aceitar, se não me aceitarem estou me livrando de falsas amizades". A maioria disse que já sabia, foi super tranquilo, mas então surge o pensamento sobre a família, sobre como vai ser pra eles. E então eu chego no ápice do desabafo.
São dois anos de aceitação interna, mas a família ainda não sabe. Não me assumi e nem sei quando isso vai acontecer. Tenho muito medo da reação que terão, sobretudo o meu pai, que sempre foi uma pessoa muito agressiva. Nunca bateu na minha mãe, senão já tinha saído daqui faz tempo, mas nos filhos...
E aí eu chego num questionamento. Me assumir ou não me assumir? Héteros precisam se assumir? Não, então porque tendo uma orientação sexual diferente eu preciso fazê-lo? Nós da comunidade queremos igualdade, inclusive nesse fator. Eu não quero precisar me assumir mas também já estou cansado dessa farsa. Estava cogitando fazê-lo este ano, mas com a quarentena tive que retornar à minha cidade e não acho que seja o momento pra falar, nem sei se quero mais falar. Hoje, dentro de casa com a minha família, vejo o quão difícil tem sido me esconder. Antes, só passava férias e finais de semana com eles, algo que não é mais possível. Agora são 24 horas por dia debaixo do mesmo teto. E é isso que vem me matando, me consumindo. Era isso que eu precisava tirar das minhas costas.
Esse desabafo ficou bem grande, não sei se alguém vai chegar até que aqui. Se sim, obrigado por te me dedicado um pouco da sua tenção.
Talvez alguns pensem que não falei qual a minha sexualidade em momento algum. Isso não foi feito, porque eu não gosto de rótulos, não acho que seja necessário. Sou eu e pronto, independente da minha orientação sexual