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Quarto em Chamas

Olhando agora o brilho convidativo dos teus lábios, percebi que nunca poderia te-los. Que ideia a minha, logo eu, com essa mente trapaceira, sempre me sabotando. Quanta imaginação ao crer que em algum momento estaríamos juntos, em meio a tantos possíveis futuros com tantas pessoas diferentes... Que ideia. Logo eu, que mal te conhecia. Que só conhecia os teus gestos, as tuas manias, o teu sorriso, e nunca os teus desejos, os teus crimes, aquele teu amor. Sortuda seria eu se soubesse desse amor antes. Ah, o amor nos cega mesmo, nos cega, nos usa, abusa e nos cospe na cara. E gostamos, no final. Que ideia. Evitaria muita dor de cabeça e teria emagrecido uns 3 quilos, de quebra. Inocência minha pensar que encorpando tu olharias pra mim, que eu saiba, nunca fez questão disso. Só me via, mas no fundo não me enxergava. Só tinha olhos para a outra. E eu me fingindo de cega... Que ideia. O amor parece tão puro e livre, planando leve no peito. Até que quebramos essa nossa ilusão. Ou sozinhos ou com uma ajuda de alguém racional, um não apaixonado. Às vezes queremos logo levar a rejeição, é melhor, alimenta a nossa alma de artista, inspira os novos trabalhos, mas... Dói quando lembramos do papel ridículo que fizemos até lá. Por que você, logo você, que estava tão apaixonado quanto eu (e não por mim) perderia um segundo da intensidade da sua paixão para olhar pra trás, para aquela que também ama? Amarga e deliciosa luxúria. Quebrar a cara é a coisa mais real e confusa. Essa dor nos lembra que estamos vivos, que somos animais afinal. E isso é bom para nos colocarmos de volta no lugar, na jaula, na sociedade. É bom porque dói e só dói porque estamos vivos. Ah, mas pensando bem, nem te queria tanto, nem dava tanta bola pros teus cachos negros ou pras tuas mãos definidas, ou pro teu perfume, ou pra' quele aconchego dos teus braços, ou pra tua voz aveludada... Droga. O amor, seja como for, é o amor.
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